quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Jorge Luis Borges

(Buenos Aires, 24 de agosto de 1899 — Genebra, 14 de junho de 1986)


"Não criei personagens. Tudo o que escrevo é autobiográfico. Porém, não expresso minhas emoções diretamente, mas por meio de fábulas e símbolos. Nunca fiz confissões. Mas cada página que escrevi teve origem em minha emoção".

O escritor Jorge Luis Borges nasceu na capital argentina, Buenos Aires. Bilíngüe desde a sua infância, aprendeu a ler em inglês antes que em castelhano, por influência de sua avó materna de origem inglesa.

Aos seis anos disse a seu pai que queria ser escritor e aos sete escreveu, em inglês, um resumo de literatura grega. Aos oito, inspirado num episódio de "Dom Quixote" de Cervantes, fez seu primeiro conto: "La Visera Fatal". Aos nove anos, traduziu do inglês "O Príncipe Feliz" de Oscar Wilde.

Em 1914, devido à quase cegueira total, seu pai decide passar uma temporada com a família na Europa. Em Genebra, Jorge escreveu alguns poemas em francês enquanto estudava o bacharelado (1914-1918). Sua primeira publicação registrada foi uma resenha de três livros espanhóis para um jornal de Genebra.

Em 1919, mudou-se para a Espanha e publicou poemas e manifestos na imprensa. Em 1921, retornou a Buenos Aires e redescobriu sua cidade natal, na efervescência dos anos 20. Nesse clima escreveu seu primeiro livro de poemas, "Fervor em Buenos Aires", publicado em 1923.

A partir de 1924, publicou algumas revistas literárias e, com mais dois livros, "Luna de Enfrente" (poesia) e "Inquisiciones" (ensaios), ganhou em 1925 a reputação de chefe da jovem vanguarda de seu país. Nos anos seguintes, ele se transformou num dos mais brilhantes e polêmicos escritores da América Latina.

Inventando um novo tipo de regionalismo, acrescentou uma perspectiva metafísica da realidade, mesmo em temas como o subúrbio portenho ou o tango. Nesta fase escreveu "Cuaderno San Martin" e "Evaristo Carriego". Mas logo se cansou desses temas e começou a especular sobre a narrativa fantástica, a ponto de produzir durante duas décadas, de 1930 a 1950, algumas das mais extraordinárias ficções do século, nos contos de "Historia Universal de la infâmia" (1935); "Ficciones" (1935-1944) e "El Aleph" (1949), entre outras.

Em 1937, Borges foi nomeado diretor da Biblioteca Pública Nacional, o que foi seu primeiro e único emprego oficial. Saiu nove anos depois, indignado com a inclinação fascista que estava tomando a Argentina.

No que se refere ao amor, o caso mais quente do escritor argentino foi com Estela Canto, que depois lançou o livro de memórias "Borges a Contraluz". Ele conta em sua biografia que a pediu em casamento. Moderna e liberada para a época, Estela respondeu: "Eu aceitaria, Georgie, mas não podemos casar sem antes dormir juntos". Borges ficou assustado e desapareceu.

Aos 50 anos, o escritor já havia perdido parcialmente a visão. Com o passar dos anos, quando a cegueira se fez completa, sua mãe, Leonor, passou a cuidar dele, lendo e escrevendo o que ditava.

O reconhecimento literário de Borges se solidificou em 1961 com a conquista do prêmio concedido pelo Congresso Internacional de Editores, que dividiu com Samuel Beckett. Logo receberia também prêmios e títulos por parte dos governos da Itália, França, Inglaterra e Espanha.

Em 1967, Borges casou-se com uma amiga de infância, Elsa Astete. O casamento durou três anos e acabou com Borges fugindo de casa, sem coragem para discutir a separação. Sua mãe, Leonor, morreu em 1975. Seu segundo casamento foi com a sua ex-aluna Maria Kodama que se tornou sua secretária particular em 1981. Kodama era de origem japonesa e tornou-se a herdeira de seus direitos autorais.

Em 1983, Borges publicou no diário "La Nación" de Buenos Aires o relato "Agosto 25, 1983", em que profetizava seu suicídio. Perguntado depois porque não havia se suicidado na data anunciada, respondeu: "Por covardia". Borges afirmava freqüentemente o seu ateísmo e falava da solidão como uma espécie de segunda companheira.
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EVERNESS

Só uma coisa não há: e esta é o olvido.

Deus, que salva o metal, e salva a escória,

cifra em Sua profética memória

as luas que serão e as que têm sido.

Já tudo fica. A sequência infinita

de imagens que entre a aurora e o fim do dia

teu rosto nos espelhos deposita

e essas que irá deixando todavia.

E tudo é só uma parte do diverso

cristal desta memória: o universo.

Não têm fim os seus árduos corredores,

e se fecham as portas ao passares;

e só quando na noite penetrares,

do Arquétipo verás os esplendores.

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UM CEGO



Não sei qual é a face que me mira

quando miro essa face que há no espelho;

e desconheço no reflexo o velho

que o escruta, com silente e exausta ira.

Lento na sombra, com a mão exploro

meus traços invisíveis. Um lampejo

me alcança. O seu cabelo, que entrevejo,

é todo cinza ou é ainda de ouro.

Repito que perdi unicamente

a superfície vã das simples coisas.

Meu consolo é de Milton e é valente,

porém penso nas letras e nas rosas.

Penso que se pudesse ver meu rosto

saberia quem sou neste sol-posto.

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A CHUVA



A tarde bruscamente se aclarou,

porque já cai a chuva minuciosa.

Cai e caiu. A chuva é só uma coisa

que o passado por certo freqüentou.

Quem a escuta cair já recobrou

o tempo em que a fortuna venturosa

uma flor lhe mostrou chamada rosa

e a cor bizarra do que cor tomou.

Esta chuva que treme sobre os vidros

alegrará nuns arrabaldes idos

as negras uvas de uma parra em horto

que não existe mais. A umedecida

tarde me traz a voz, a voz querida

de meu pai que retorna e não é morto.

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XADREZ



I



Em seu grave rincão, os jogadores

as peças vão movendo. O tabuleiro

retarda-os até a aurora em seu severo

âmbito, em que se odeiam duas cores.

Dentro irradiam mágicos rigores

as formas: torre homérica, ligeiro

cavalo, armada rainha, rei postreiro,

oblíquo bispo e peões agressores.

Quando esses jogadores tenham ido,

quando o amplo tempo os haja consumido,

por certo não terá cessado o rito.

Foi no Oriente que se armou tal guerra,

cujo anfiteatro é hoje toda a terra.

Como aquele outro, este jogo é infinito.





II



Rei tênue, torto bispo, encarniçada

rainha, torre direta e peão ladino

por sobre o negro e o branco do caminho

buscam e libram a batalha armada.

Desconhecem que a mão assinalada

do jogador governa seu destino,

não sabem que um rigor adamantino

sujeita seu arbítrio e sua jornada.

Também o jogador é prisioneiro

(diz-nos Omar) de um outro tabuleiro

de negras noites e de brancos dias.

Deus move o jogador, e este a peleja.

Que deus por trás de Deus a trama enseja

de poeira e tempo e sonho e agonias?

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O SUICIDA



Não restará na noite uma estrela.

Não restará a noite.

Morrerei, e comigo a soma

do intolerável universo.

Apagarei as pirâmides, as medalhas,

os continentes e os rostos.

Apagarei a acumulação do passado.

Transformarei em pó a história, em pó o pó.

Estou mirando o último poente.

Ouço o último pássaro.

Deixo o nada a ninguém.

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